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segunda-feira, 21 de julho de 2014

BALZAC - OS ANOS MAIS FELIZES


                   Começa então uma atividade literária espantosa, espetáculo sem par na história literária. Os jornais, as revistas abriam as portas ao novo talento, o Balzac atendia a todos os convites. Só em 1830, além dos inúmeros artigos, escreveu as seguintes obras das que hoje compõem a "Comédia Humana": El Verdugo, Estudo de Mulher, as seis novelas das "Cenas da Vida Privada"; A paz Conjugal, Ao "Chat-qui-pelote", O Baile de Sceaux, A Vendeta , Gobseck, Uma Dupla Família, e, ainda, Adeus, O Elixir de Longa Vida, Sarrasine, Uma Paixão no deserto, Um Episódio de Terror, sem falar de grandes trechos de Pequenas Misérias da Vida Conjugal, Beatriz, a Pele de Onagro, Catarina de Médicis. Os leitores descobriam, admirados, nestes esplêndidos contos e fragmentos de romances, o próprio mundo em que viviam, seu salão, sua sala de jantar e, mesmo, seu quarto de dormir, não somente representados com fidelidade, mas interpretados, revestidos de uma importância que nunca se lhe teria atribuído, realçados por assim dizer, à dignidade de documentos históricos. A popularidade do escritor aumenta a cada dia, principalmente nas rodas femininas, que encontram nele um conhecedor admirável de seus segredos mais escondidos. Multiplicam-se os convites mundanos, e, sinal ainda mais evidente do sucesso, as cartas de mulher, umas anônimas, outras com nome e endereço completo, chovem às dúzias. 
                   Sem parar, como quem depois de longo silêncio recupera a voz, o escritor lança uma obra após a outra: O Conscrito, Os Proscritos, A Obra-prima Desconhecida, A Estalagem Vermelha, A Pele de Onagro, Jesus Cristo em Flandres, Mestre Cornelius, sem falar numa multidão de artigos e crônicas e em grande parte da Mulher de Trinta Anos - e ainda estamos no final de 1831! 
                   Os anos 1930 e 1931... são, talvez, os anos mais felizes da ida de Balzac. Após uma série tão longa de insucessos e dissabores, eis o êxito pleno, fragoroso, esplêndido, tal como o sonhava. Herói do dia, bem-vindo em todos os salões, tratado como igual pelos contemporâneos mais ilustres: Hugo, Lamartine, Nodier, George Sand e tantos outros.  Cheio de ideias, de projetos, de energia, basta que entre numa sala para se tornar, imediatamente o centro do interesse. Fala muito, mas o assunto é inevitavelmente um só: ele mesmo. Fala nos livros que já fez, que está fazendo, que fará; conta as suas "orgias de trabalho", as filas de noites passadas à escrivaninha, as xícaras de café com que mantém a excitação do cérebro; apresenta as personagens de seus livros futuros, os enredos em que as pretende meter, os nomes que para elas achou; gaba dos bibelôs que encontrou na loja de um antiquário e as riquezas de sua casa, em parte imaginárias. Os ouvintes ficam basbaques, trocam olhares espantados. As pessoas que o conheciam nessa época, pintam-no como homem antes feio que bonito, com uma gordura incipiente que a vida sedentária acentua cada vez mais; vestido simplesmente em desalinho ou com elegância espalhafatosa; baixo, atarracado, de nariz disforme, rosto redondo, cabelos compridos, e uns olhos cujo brilho devia ser algo de excepcional, pois nenhuma testemunha deixa de falar no fogo desses "olhos de ouro". 
                - Pueril e poderoso, - escreve George Sand, que o conheceu nessa época - sempre com inveja de algum bibelô  e nunca ciumento de uma glória, sincero até à modéstia, jactancioso até à bazófia, confiante em si mesmo e nos outros, muito expansivo, muito bom e muito maluco, com um santuário de razão interior onde se recolhia para dominar tudo em sua obra, cínico porém casto, ébrio bebendo água, intemperante no trabalho e sóbrio em outras paixões, positivo e romanesco com excesso igual, crédulo e céptico, cheio de contrastes e de mistérios, assim era Balzac ainda moço, já inexplicável para quem se cansava com o estudo demasiadamente constante dele mesmo a que ele condenava os amigos, e tudo o que ainda não parecia a todos tão interessante como realmente era... A sua alma era de uma grande serenidade, e em momento algum o vi carrancudo". 
                 A partir da Fisiologia do Casamento, Balzac começou a ganhar bem com a sua pena, até muito bem, e os seus honorários, calculado no valor do dinheiro de hoje, dariam importâncias elevadíssimas. Podia finalmente, em dois ou três anos, liquidar as suas dívidas, e ainda lhe restava com que viver muito bem. Mas, em vez de diminuir, estas aumentavam constantemente, em razão da vida luxuosa do nosso escritor, com suas pretensões a dândi que não dispensa uma casa brilhante, caleça, cavalos, móveis artísticos, ternos magníficos (não se esqueça que a moda masculina de então era muito menos uniformizada do que hoje, permitindo uma escala extraordinária de fazendas, de cores e de cortes diferentes), todas essas coisas que criam em redor da pessoa uma auréola publicitária na crônica mundana dos jornais. De todas as suas extravagâncias ficou famosa a sua enorme bengala ornada de pedras preciosas, que forneceu à senhora de Girardin o assunto para todo um romance. Junte-se a isto a sua paixão de colecionador de objetos de arte e antiguidades, que, com o correr dos anos, se transformou em mania. Assim, as suas finanças nunca chegaram a um ponto de equilíbrio, e foi preciso que ele morresse para suas dividas poderem ser saldadas com a renda dos direitos autorais. 
                 "Uma bela manhã" - conta ainda George Sand - Balzac, tendo vendido bem a Pele de Onagro, desprezou a sua sobre loja e quis deixá-la; mas, depois de refletir, contentou-se de transformar seus pequenos quadros num conjunto de boudoirs de Marquesa e um belo dia convidou-nos a tomar sorvete entre suas paredes cobertas de seda e bordadas de renda. Isto me fez rir muito; não pensava que ele levasse a sério esta necessidade de luxo vão e que aquilo fosse para ele mais do que uma fantasia passageira. Enganava-me; essas necessidades de imaginação faceira, tornaram-se os tiranos de sua vida, e para satisfazê-las sacrificou mais de uma vez o bem-estar mais elementar. 
                  A partir dessa época, a vida de Balzac torna-se complicada para os biógrafos; ele como que se comprazia em dificultar-lhes a tarefa. "Ninguém pode ter a pretensão de fazer uma biografia completa de Balzac; qualquer ligação com ele era necessariamente cortada por lacunas, ausências e desaparições.  O trabalho dominava de modo absoluto a sua vida" - afirma o amigo Théophile Gautier. De fato, Balzac desaparecia frequentemente durante semanas inteiras, emergindo ora nesta, ora naquela cidadezinha, em casa de um ou de outro amigo, para descansar de algum esforço excepcional e, mais frequentemente ainda, desaparecia para acabar no silêncio da província algum livro que incubava. Outras vezes os amigos acreditavam-no em viagem, mas ele estava em Paris, escondido numa residência secreta a escrever, mas também a fugir dos credores e às convocações da Guarda Nacional; depois, ao cabo de uma reclusão voluntária de trinta ou quarenta dias, reaparecia brandindo alguma nova obra-prima. Em outras ocasiões, quando os amigos o acreditavam em casa, recebiam dele um bilhete vindo da Itália, da Suíça, da Alemanha ou da Rússia, e isto num tempo em que as viagens eram muito mais incômodas e demoradas do que hoje." 
P.R. 
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Esta é apenas mais uma parcela da história de Balzac. Para compreender melhor sua obra Veja > AS CARTAS DE BALZAC
Nicéas Romeo Zanchett

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