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terça-feira, 1 de julho de 2014

BALZAC - UM JOVEM PROVINCIANO EM PARIS




BALZAC - UM JOVEM PROVINCIANO EM PARIS 
                  " Em 1814, o senhor Bernard-François de Balzac foi nomeado, como já dissemos, diretor do serviço de víveres, o que determinou a mudança de toda a família para a capital. Ali, em duas escolas modestas, Honoré concluiu o curso interrompido, sempre medíocre, sempre sem nenhum brilho.  
                    Ao julgar das pessoas com que convive, não se operou ainda nele nenhuma modificação radical. É uma criança. Mas no íntimo de seu ser, talvez sem que ele mesmo o compreenda, está-se operando uma revolução. Paris, está espantosa aglomeração de casas, homens, recordações e inteligências, apodera-se dele, penetrando-lhe na alma com o encanto sutil de sua atmosfera, satura-lhe o espírito com o fecundo veneno que se destila nas aulas da Sorbone, nos cursos do Museu de História Natural, nas lojas dos alfarrabistas, nas palestras do Bairro Latino, Balzac revisa as bibliotecas, corre as ruas à procura dos rastos dos grandes homens que por ali transitaram, delicia-se em acompanhar de longe um desconhecido, em deitar um olhar pelas janelas abertas, em ler o enigma de algumas das mil fisionomias que ocorrem num minuto nos bulevares, em apanhar por um instante algum dos mil destinos que diariamente cruzam o seu, em devorar livros e jornais, em escutar boquiaberto pessoas que ainda viram os grandes homens do século precedente, como essa velha senhorita R..., amiga da mãe que conhecera Beaumarchais de perto e dele recorda tantos fatos admiráveis. 
                  Poder-se-iam passar dez anos, uma vida inteira nessa divertida existência de badaud. Mas cada um tem de se arrumar na vida. Por felicidade de Honoré, amigos não faltam a seu pai. Entre esses, dois tabeliães se oferecem para facilitar a estréia do rapaz dando-lhe um lugar em seu cartório, o que significa o acessoa uma profissão honesta e lucrativa. Os pais resolvem, pois, que seu filho será notário. Dezoito meses no cartório do senhor Merville, outros tantos no do senhor Passes são o bastante para um moço criar afeição ao ofício - ou se enjoar dele para o resto da vida. Foi este o caso de Balzac. Sua atuação nos dois escritórios amigos fortaleceu na família a convicção de que ele era um incapaz; ele mesmo, porém, ficou convencido definitivamente de que seu lugar era a literatura. 
                  Nada se perde na vida de um gênio. Sem os anos cinzentos do colégio, não haveria Luiz Lambert.  Sem os sofrimentos, mais tarde, de um amor infeliz, não haveria A Duquesa de Langeais.  Sem os três anos passados nos cartórios, não haveria Uma estréia na Vida, César Birotteau, O Contrato de Casamento. 
                   Balzac aproveitou bem esses três anos, embora não no sentido em que seus pais o esperavam. Nos códigos, registros e cadastros identificou partes complicadíssimas e essenciais do mecanismo da vida moderna, cada vez mais amarrada por fórmulas, formalidades e regulamentos. Penetrou no labirinto do processo, conheceu as manhas dos advogados e a obstinação das partes à procura de escapatórias, de recursos lícitos e ilícitos. Viu, principalmente, o que havia atrás de tudo aquilo: o dinheiro, a mola de tantas ações humanas, em que pouco se falava nos salões e que nunca aparecia nos romances do tempo. 
                   Lembremos que hoje em dia, o romance não constitui para nós apenas uma diversão. É um importante instrumento de conhecimento indireto, abre-nos ambientes e perspectivas que nunca teríamos oportunidade de conhecer, fornece uma visão prática e real do mundo. Sentados numa poltrona podemos adquirir sem risco e sem cansaço, e até com divertimento, a experiência humana dos observadores, mais clarividentes, entrar em contato com os indivíduos, as classes e os povos. Este notável engrandecimento do campo visual do nosso espírito, devemo-lo principalmente a Balzac, que foi um dos primeiros a franquear ao público o grande laboratório experimental do romance moderno. 
                   Por sua parte, ele ainda não tinha este recurso. A sua experiência foi toda direta, pessoal, Como veremos no decorrer de sua vida, teve de "viver" a sociedade moderna antes de revivê-la, em toda a sua complexidade, no papel." P.R. 

                    

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