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sábado, 4 de outubro de 2014

BALZAC E SEU PENSAMENTO POLÍTICO

"INTERMEZZO" POLÍTICO DE BALZAC 

                    " Antes, porém, dessa viagens ao estrangeiro, cuja série começará em 1833, vemos Balzac cruzar a França em todos os sentidos. Ao aceitar o convite de amigos ou amigas, tem sempre em vista a possibilidade de achar para a ação de um ou outro romance em preparo, algum cenário inexplorado: Issoudun, Nemours, Angoulême, Saumur, etc.... Poder-se-ia fazer um mapa quase pleno da França com as localidades que o gênio de Balzac introduziu na literatura. "Uma das razões que explicam a rápida voga do senhor de Balzac por toda a França" - observa a esse respeito Saint-Beuve, o grande adversário do romancista que, para explicar-lhe o bom êxito, admitia todas as razões menos o gênio - "é a habilidade na escolha sucessiva dos lugares onde coloca o cenário de suas narrativas... Esta lisonja dirigida a cada cidade em que o autor situa as suas personagens significa para ele a conquista da mesma; a esperança que tem as cidades ainda obscuras de serem em breve descritas em algum romance novo, predispõe para ele todos os corações literários do lugar. - Este pelo menos - dizem - não é orgulhoso; não é exclusivamente parisiense, e de sua Chaussée d'Antin não despreza as nossas ruas e as nossas granjas." 
                   Por volta de 1831, as viagens de Balzac, no entanto, um outro fim além do literário. Confiando na popularidade do seu nome, quer, precisamente, sair do terreno da literatura. Desejoso de não apenas observar e descrever, mas plasmar a evolução da sociedade, candidata-se às eleições legislativas em Cambrai e em Angoulême . Para ser eleito conta especialmente com o apoio da alta sociedade, pois esse plebeu está resolvido a fazer-se campeão da aristocracia. Todos aqueles que gostam de ver os grandes escritores na primeira fila dos que combatem pela ascensão das classes laboriosas e para a encarnação, nas instituições do Estado, do espírito de liberdade, hão de notar, com tristeza, que desde o começo de sua carreira Balzac se filiou à outra frente, adotando um programa político nitidamente conservador e mesmo reacionário.  A este respeito, o Prefácio da Comédia Humana, escrito em 1842, contém uma exposição bastante categórica; mas já doze anos antes, numa carta à senhora Zulma Carraud, Balzac faz uma profissão de fé política no mesmo sentido. Achamos interessante citar-lhe os itens principais, pois esclarecem muitos trechos da Comédia Humana  em que as personagens ou o próprio autor comentam assuntos políticos: "A França deve ser uma monarquia constitucional, ter uma família real hereditária, uma Câmara dos Pares extremamente poderosa que represente a propriedade com todas as garantias possíveis de hereditariedade e privilégios, cuja natureza deve ser discutida; depois, uma segunda Assembléia, eletiva, que represente os interesses da massa intermediária que separa as altas posições sociais do que se chama povo. A massa das leis e seu espírito devem tender a procurar esclarecer o mais possível o povo, as pessoas que não tem nada, os operários, os proletários, etc., a fim de fazer chegar o maior número possível de homens ao estado de bem-estar que distingue a massa intermediário; contudo, o povo deve ser deixado sob o mais poderoso dos jugos; deve ter toda a oportunidade para que seus indivíduos possam encontrar luzes, auxílio e proteção, e para que nenhuma ideia, forma ou transação o torne turbulento. A maior liberdade possível à classe abstrata; pois esta possui algo para conservar e pode perder tudo; esta nuca será licenciosa. Ao governo, a maior força possível. Assim o governo, os ricos e os burgueses tem interesse em tornar feliz a classe ínfima, e engrandecer a classe média, na qual reside a verdadeira força dos Estados. Se as pessoas ricas, as fortunas hereditárias da Câmara Alta, corrompidas por seu modo de viver, praticam abusos, estes são inseparáveis da existência de toda a sociedade; é preciso aceitá-los com as vantagens que oferecem". 
                Para Balzac, este sistema, se não é perfeito, parece o menos o menos defeituoso de todos, pois reúne "as condições boas e filantrópicas de vários outros; eis que afirma em 1830: "Nuca abandonarei este sistema" - r realmente conservou-se fiel a ele até o fim da vida.
                 Quando, pouco depois de ter escrito esta carta, Balzac se lembrou de tomar parte ativa na política, candidatando-se às eleições, procurou o partido cujas ideias mais se assemelhassem às suas, e achou-o no partido legitimista. No seio deste havia uma cisão. Quando da instalação da Monarquia de Julho, em seguida à revolução de 1830, a maior parte dos deputados e dos pares monarquistas recusaram-se a prestar juramento de fidelidade a um regime que consideravam usurpador; uma minoria, porém, resignou-se ao juramento para poder combater, como oposição ativa, o novo governo. O duque de Fitz-James era chefe dessa facção, cujas ideias eram expostas no Rénovanteur, órgão redigido por Laurentine, a cujo convite de colaboração Balzac respondeu com entusiasmo. 
                 É forçoso reconhecer que as ideias expostas na carta acima são as da "direita"; no entanto, esta profissão de fé não coincide de modo preciso com a conclusão geral que cada leitor desprevenido tira naturalmente da Comédia Humana. Balzac faz-se paladino do sistema político e social vigente em seu tempo e da predominância da Igreja católica, mas seus livros constituem, com pouca exceções, outros tantos golpes demolidores assestados aos alicerces do edifício social e religioso de seu tempo. Apesar de várias tentativas da crítica monarquista e conservadora francesa (Barbey d'Aurvilly, Bouget, etc.) para demonstrar a coerência entre o pensamento político e a obra literária de romancista, parece que Victor Hugo teve mais razão ao afirmar, na poderosa oração pronunciada sobre o túmulo de Balzac, que este, quisesse ou não, pertencia "a forte raça dos escritores revolucionários". 
                 Nas páginas da Comédia Humana as opiniões conservadoras de Balzac ocorrem frequentemente, ora atribuídas a personagens das altas classes sociais, ora nas frequentes interrupções da ação, como palavras do próprio autor.  Apesar disso a obra literária de Balzac é essencialmente imparcial, pois suas convicções políticas nunca levamo escritor a alterar seja o que for no que ele considera a observação e expressão da realidade. Cupre citar a este respeito uma das justificações com que o político Balzac procura afastar o ressentimento de leitores conservadores contra o escritor  Balzac por ter este apresentado um fidalgo degenerado num dos capítulos de Modesta Mignon.  "... quando as grandes coisas humanas se vão, deixam migalhas... e a nobreza francesa mostra-nos, neste século, demasiados restos. Não há dúvida de que, nesta longa história de costumes na Comédia Humana, nem o clero nem a nobreza tem de se queixar. Essas duas grandes e magníficas necessidades sociais acham-se nela bem representadas; mas não ser imparcial, não mostrar aqui a degenerescência da raça, não equivaleria a renunciar ao belo título de historiador...? Este belo título nuca lhe foi contestado pelos intelectuais da esquerda. O próprio Marx lia-o com entusiasmo, e Engels prestou-lhe homenagem neste significativo trecho de carta:  "Balzac... nos dá, em sua Comédia Humana, a história mais maravilhosamente realista da societé francesa... descrevendo sob forma de crônica de costumes, quase de ano em ano, de 1816 a 1848, a pressão cada vez maior que a burguesia ascendente exercia sobre a nobreza que se reconstituíra depois de 1815 e que, tant bien que mal, na medida do possível, levantava outra vez a bandeira da Vieille politesse française. Descreve como os últimos restos dessa sociedade, para ele exemplar, sucumbiram aos poucos em face da intrusão do parvenu vulgar da finança, ou foram por este corrompidos; como a grande dama cujas infidelidades conjugais não eram senão um meio perfeito de se adaptar à maneira por que se dispunha dela no casamento, cedeu lugar à burguesa que procurou um marido para ter dinheiro ou toilettes, em volta deste quadro central agrupa toda a história da sociedade francesa, onde eu aprendi mais, mesmo no que concerne aos pormenores econômicos (por exemplo a redistribuição da propriedade real e pessoal depois da Revolução) do que em todos os livros dos historiadores, economistas e estatísticos profissionais da época, todos juntos. Sem dúvida, Balzac era legitimista na política; sua grande obra é uma elegia perpétua que deplora a irremediável decomposição da alta sociedade; suas simpatias vão para a classe condenada a morrer. Mas, apesar de tudo isto, sua sátira nunca é uma incisiva, sua ironia mais amarga, do que quando faz agir esses aristocratas, esses mesmos homens e mulheres pelos quais experimentava tão profunda simpatia. E... os únicos homens de quem fala com admiração não dissimulada são seus adversários políticos mais encarniçados, os heróis republicanos da rua do Cloítre Saint-Merri (cenário da insurreição popular de 5  e 6 de junho de 1832), os homens que nesta época representavam realmente as massas populares." 
                 Pode-se lamentar, pois, que Balzac tenha professado um credo reacionário; mas isto não lhe altera nem a imparcialidade nem o valor da obra, e há nisto mais uma prova de seu gênio. Ainda hoje, Paul Louis, historiador de socialismo francês, ao procurar reconstruir os tipos sociais do período do capitalismo nascente, recorre ao monumental inventário feito pelo monarquista e católico Balzac. 
                 Retomando a vida de Balzac no ponto onde a deixamos, observaremos que o escritor, para bem da literatura, não foi eleito deputado nem em 1831, nem em 1832, nem mais tarde, a despeito do apoio que lhe foi prometido pelo duque de Fitz-James. Dir-se-ia que o partido monarquista não se empenhava muito em ajudar um aliado tão perigoso. Por outro lado, Balzac, premiado por seus compromissos literários e acossado pelos credores, não dispunha do tempo necessário a uma campanha eleitoral. mantendo embora as mesmas ideias,  afastou-se progressivamente do partido, cujos jornais em seguida o agrediram mais de uma vez por suas teorias, insuficientemente ortodoxas, e por sua pretensa imortalidade. "  
P.R. 


segunda-feira, 21 de julho de 2014

BALZAC - OS ANOS MAIS FELIZES


                   Começa então uma atividade literária espantosa, espetáculo sem par na história literária. Os jornais, as revistas abriam as portas ao novo talento, o Balzac atendia a todos os convites. Só em 1830, além dos inúmeros artigos, escreveu as seguintes obras das que hoje compõem a "Comédia Humana": El Verdugo, Estudo de Mulher, as seis novelas das "Cenas da Vida Privada"; A paz Conjugal, Ao "Chat-qui-pelote", O Baile de Sceaux, A Vendeta , Gobseck, Uma Dupla Família, e, ainda, Adeus, O Elixir de Longa Vida, Sarrasine, Uma Paixão no deserto, Um Episódio de Terror, sem falar de grandes trechos de Pequenas Misérias da Vida Conjugal, Beatriz, a Pele de Onagro, Catarina de Médicis. Os leitores descobriam, admirados, nestes esplêndidos contos e fragmentos de romances, o próprio mundo em que viviam, seu salão, sua sala de jantar e, mesmo, seu quarto de dormir, não somente representados com fidelidade, mas interpretados, revestidos de uma importância que nunca se lhe teria atribuído, realçados por assim dizer, à dignidade de documentos históricos. A popularidade do escritor aumenta a cada dia, principalmente nas rodas femininas, que encontram nele um conhecedor admirável de seus segredos mais escondidos. Multiplicam-se os convites mundanos, e, sinal ainda mais evidente do sucesso, as cartas de mulher, umas anônimas, outras com nome e endereço completo, chovem às dúzias. 
                   Sem parar, como quem depois de longo silêncio recupera a voz, o escritor lança uma obra após a outra: O Conscrito, Os Proscritos, A Obra-prima Desconhecida, A Estalagem Vermelha, A Pele de Onagro, Jesus Cristo em Flandres, Mestre Cornelius, sem falar numa multidão de artigos e crônicas e em grande parte da Mulher de Trinta Anos - e ainda estamos no final de 1831! 
                   Os anos 1930 e 1931... são, talvez, os anos mais felizes da ida de Balzac. Após uma série tão longa de insucessos e dissabores, eis o êxito pleno, fragoroso, esplêndido, tal como o sonhava. Herói do dia, bem-vindo em todos os salões, tratado como igual pelos contemporâneos mais ilustres: Hugo, Lamartine, Nodier, George Sand e tantos outros.  Cheio de ideias, de projetos, de energia, basta que entre numa sala para se tornar, imediatamente o centro do interesse. Fala muito, mas o assunto é inevitavelmente um só: ele mesmo. Fala nos livros que já fez, que está fazendo, que fará; conta as suas "orgias de trabalho", as filas de noites passadas à escrivaninha, as xícaras de café com que mantém a excitação do cérebro; apresenta as personagens de seus livros futuros, os enredos em que as pretende meter, os nomes que para elas achou; gaba dos bibelôs que encontrou na loja de um antiquário e as riquezas de sua casa, em parte imaginárias. Os ouvintes ficam basbaques, trocam olhares espantados. As pessoas que o conheciam nessa época, pintam-no como homem antes feio que bonito, com uma gordura incipiente que a vida sedentária acentua cada vez mais; vestido simplesmente em desalinho ou com elegância espalhafatosa; baixo, atarracado, de nariz disforme, rosto redondo, cabelos compridos, e uns olhos cujo brilho devia ser algo de excepcional, pois nenhuma testemunha deixa de falar no fogo desses "olhos de ouro". 
                - Pueril e poderoso, - escreve George Sand, que o conheceu nessa época - sempre com inveja de algum bibelô  e nunca ciumento de uma glória, sincero até à modéstia, jactancioso até à bazófia, confiante em si mesmo e nos outros, muito expansivo, muito bom e muito maluco, com um santuário de razão interior onde se recolhia para dominar tudo em sua obra, cínico porém casto, ébrio bebendo água, intemperante no trabalho e sóbrio em outras paixões, positivo e romanesco com excesso igual, crédulo e céptico, cheio de contrastes e de mistérios, assim era Balzac ainda moço, já inexplicável para quem se cansava com o estudo demasiadamente constante dele mesmo a que ele condenava os amigos, e tudo o que ainda não parecia a todos tão interessante como realmente era... A sua alma era de uma grande serenidade, e em momento algum o vi carrancudo". 
                 A partir da Fisiologia do Casamento, Balzac começou a ganhar bem com a sua pena, até muito bem, e os seus honorários, calculado no valor do dinheiro de hoje, dariam importâncias elevadíssimas. Podia finalmente, em dois ou três anos, liquidar as suas dívidas, e ainda lhe restava com que viver muito bem. Mas, em vez de diminuir, estas aumentavam constantemente, em razão da vida luxuosa do nosso escritor, com suas pretensões a dândi que não dispensa uma casa brilhante, caleça, cavalos, móveis artísticos, ternos magníficos (não se esqueça que a moda masculina de então era muito menos uniformizada do que hoje, permitindo uma escala extraordinária de fazendas, de cores e de cortes diferentes), todas essas coisas que criam em redor da pessoa uma auréola publicitária na crônica mundana dos jornais. De todas as suas extravagâncias ficou famosa a sua enorme bengala ornada de pedras preciosas, que forneceu à senhora de Girardin o assunto para todo um romance. Junte-se a isto a sua paixão de colecionador de objetos de arte e antiguidades, que, com o correr dos anos, se transformou em mania. Assim, as suas finanças nunca chegaram a um ponto de equilíbrio, e foi preciso que ele morresse para suas dividas poderem ser saldadas com a renda dos direitos autorais. 
                 "Uma bela manhã" - conta ainda George Sand - Balzac, tendo vendido bem a Pele de Onagro, desprezou a sua sobre loja e quis deixá-la; mas, depois de refletir, contentou-se de transformar seus pequenos quadros num conjunto de boudoirs de Marquesa e um belo dia convidou-nos a tomar sorvete entre suas paredes cobertas de seda e bordadas de renda. Isto me fez rir muito; não pensava que ele levasse a sério esta necessidade de luxo vão e que aquilo fosse para ele mais do que uma fantasia passageira. Enganava-me; essas necessidades de imaginação faceira, tornaram-se os tiranos de sua vida, e para satisfazê-las sacrificou mais de uma vez o bem-estar mais elementar. 
                  A partir dessa época, a vida de Balzac torna-se complicada para os biógrafos; ele como que se comprazia em dificultar-lhes a tarefa. "Ninguém pode ter a pretensão de fazer uma biografia completa de Balzac; qualquer ligação com ele era necessariamente cortada por lacunas, ausências e desaparições.  O trabalho dominava de modo absoluto a sua vida" - afirma o amigo Théophile Gautier. De fato, Balzac desaparecia frequentemente durante semanas inteiras, emergindo ora nesta, ora naquela cidadezinha, em casa de um ou de outro amigo, para descansar de algum esforço excepcional e, mais frequentemente ainda, desaparecia para acabar no silêncio da província algum livro que incubava. Outras vezes os amigos acreditavam-no em viagem, mas ele estava em Paris, escondido numa residência secreta a escrever, mas também a fugir dos credores e às convocações da Guarda Nacional; depois, ao cabo de uma reclusão voluntária de trinta ou quarenta dias, reaparecia brandindo alguma nova obra-prima. Em outras ocasiões, quando os amigos o acreditavam em casa, recebiam dele um bilhete vindo da Itália, da Suíça, da Alemanha ou da Rússia, e isto num tempo em que as viagens eram muito mais incômodas e demoradas do que hoje." 
P.R. 
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Esta é apenas mais uma parcela da história de Balzac. Para compreender melhor sua obra Veja > AS CARTAS DE BALZAC
Nicéas Romeo Zanchett

BALZAC - O PRIMEIRO ROMANCE DE VERDADE -


                    "Havia anos, Balzac devorava os romances de Walter Scot, que desde 1814, data da publicação de Wawerley, conheceram uma sucessão ininterrupta de êxitos dentro e fora da Inglaterra. Lia com entusiasmo crescente todas as obras traduzidas em francês desse "trouvieur" moderno, que "elevava o romance ao valor filosófico da história", unindo nele "o drama, o diálogo, o retrato, a paisagem, a descrição, e introduzindo no gênero "o maravilhoso e o verdadeiro, esses elementos da epopeia. 
            Com exceção de dois romances, Guy Mannering e The Antiquary, de assunto moderno, todas as outras narrativas em prosa de Scot entram na categoria de romance histórico. O escritor escocês revivia as épocas heroicas de seu país em amplas visões épicas cheias de poesia. Saíra cedo do gênero frenético e sombrio, distinguindo-se logo por um talento equilibrado e feliz e pelo trabalho consciencioso que se impunha na reconstrução do ambiente histórico por meio de uma infinidade de pormenores, fruto de pacientes pesquisas. Fazia viagens periódicas nas regiões da Escócia que escolhera para cenário de seus romances, examinava os lugares, visitava as casas antigas, percorria os arquivos, dava uma verdadeira caça às antiguidades, criando assim o romance histórico baseado em documentos. 
                    A leitura dos livros de Scot fizera Balzac compreender ainda mais a nulidade de suas primeira tentativas literárias. As suas personagens, fantoches sem realidade, movimentavam-se no vácuo, faltando-lhes o dom da vida e, em volta delas, um ambiente de verossimilhança. Mas a aprendizagem da vida e as leituras modificam completamente o seu conceito de literatura. Tinha agora um assunto grandioso, que, bem realizado, podia dar um verdadeiro fresco da história recente da França; queria dar um quadro da sangrenta insurreição dos Chouans, os monarquistas da Bretanha, contra a Revolução Francesa, e, bem no centro, a história empolgante da paixão de uma bela espiã, ao serviço do governo, pelo chefe das forças rebeldes que viera espionar e seduzir. Movido pelo exemplo de Scot, e aproveitando a hospitalidade de uma casa amiga, dirigiu-se a Fougères, na Bretanha, para aí estudar de perto o seu cenário. Não se contentou em examinar os lugares. A lembrança da insurreição ainda estava viva: pôs-se a procurar informações, a recolher o testemunho de pessoas idosas, a anotar tudo, e voltou a Paris com o manuscrito quase pronto do primeiro romance de verdade que sairia da sua pena e que não hesitaria mais em assinar: "Le Dernier Chouan ou la Bretagne en 1800 ( titulo mudado mais tarde para Les Chouans ou la Bretagne en 1799. "A Bretanha em 1799".)
                 Que diferença entre este e todos os livros precedentes de Balzac! O enredo ainda é o que pode haver de mais romanesco, mas as personagens vivem; aliás, o interesse partilha-se entre a história dos amantes, o quadro da época e a representação do cenário. O autor conseguiu dar bem mais do que uma movimentada história de amor: a epopeia de toda a insurreição, fazendo que nas páginas do livro se sintam as palpitações de uma alma coletiva, bárbara e dominada por instintos primários. Outro encanto do livro eram as descrições das paisagens selvagens e sombrias da Bretanha, quase outra personagem da ação. 
                  Com todas as suas desigualdades, essa obra já revela mão de mestre. O romancista encontrou-se definitivamente, e nunca mais reincidiria na subliteratura. Tudo o que escreveria depois dos Chouans, em matéria de romances e de contos, seria obra de valor . 
                 Comparado com Walter Scot, seu discípulo assinala-se por uma particularidade bem francesa, de que, aliás, tinha plena consciência. O romancista escocês idealiza a paixão. Por temperamento ou para agradar a um público maior, desconhece o amor sexual e faz intervir, em suas narrativas, mulheres sublimes e pálidas, quase figuras de altar.  O romancista francês, desde seu primeiro verdadeiro romance, explora todas as riquezas da mina das paixões. "A paixão é toda a humanidade!" - escreverá anos depois no Prefácio da Comédia Humana, ao reconhecer a sua dívida para com Walter Scot. 
                   Por outro lado, em oposição a Scot - atraído pela épocas mais remotas da história nacional - Balzac logo de início escolhe um passado muito próximo, contíguo ao seu próprio tempo. No conjunto de sua obra, o romance histórico constituiria uma exceção, pois o romancista se compenetra cada vez mais de que a sua tarefa consiste em escrever a "história dos costumes" da sociedade francesa de seu tempo. 
                  A repercussão de "Le Dernier Chouan" não é nada extraordinária, mas já recomenda o autor à atenção de alguns entendidos em literatura. No mesmo ano, porém, alcança um sucesso retumbante, pois é um sucesso de escândalo, com sua espirituosa mas escabrosa "Fisiologia do Casamento". Este livro, que saiu poucos meses depois da morte do pai de Balzac, a quem o autor provavelmente deve a ideia central, e que teria ficado bem contente com o alvoroço, conquistou de chofre um público enorme. As mulheres censuravam-no, os homens defendiam-no, era objeto de discussão em todos os salões, e todos o compravam. \o anonimato foi facilmente desvendado; a fortuna literária do autor, estava feita, sobretudo depois da publicação em 1830, das "Cenas da Vida Privada", deliciosos quadros de interior, que o reconciliavam com todo o público feminino." 
P.R.
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Esta é mais uma parte sobre a vida de Balzac. 
LEIA TAMBÉM > AS CARTAS DE BALZAC

domingo, 20 de julho de 2014

BALZAC - EDITOR E IMPRESSOR


                 "Se a literatura de cordel rende o suficiente para salvar Balzac do notariado e fazê-lo ganhar a vida, não lhe garante ainda a independência para a realização das grandes obras sonhadas, das quais, passados vinte e seis anos, ainda não escrevera a primeira linha.  No contato com os editores que lhe publicavam as produções anônimas, ocorreu a Balzac a ideia de adotar-lhes a profissão. Começaria editando obras alheias, cujo lucro lhe traria o desafogo indispensável para finalmente escrever as suas. 
                 A ideia concretizou-se no dia em que o livreiro Urbain Canel encomendou a Balzac um prefácio para a edição, num só volume, das obras completas de La Fontaine que estava preparando. Entusiasmado com o plano de reunir num único volume compacto o material de muitos volumes de formato comum, o prefaciador vislumbrou um êxito comercial extraordinário. Nenhum amador de La Fontaine, pensara ele, deixaria de comprar uma edição tão prática, mesmo que já tivesse as obras soltas. Não contente de escrever o prefácio, pediu ao livreiro que o associasse à empresa. Em breve está constituída a sociedade, com participação de Balzac, Canel e terceiros, para a publicação de "Obras completas dos grandes escritores num volume só". O La Fontaine ainda estava no prelo, quando se começou a compor o Molière. 
                  Foram os associados que começaram a duvidar do bom êxito, ou, pelo contrário, foi Balzac que, arrebatado pelo otimismo, queria para si todo o fabuloso da iniciativa? Seja como for, em 1 de março de 1826 a sociedade é dissolvida, ficando Balzac como único proprietário. Desinteressando os ex-sócios, compra-lhes a firma por uns nove mil francos, dinheiro este emprestado por Dilecta.  A necessária inversão de capital novo, cinco mil francos, é fornecida por um senhor d'Assonvillez, amigo da família. 
                 O programa da editora era, na verdade, interessante. Edições análogas realizadas mais tarde (na Inglaterra, das obras completas de Shakespeare; na França, recentemente, de vários clássicos franceses nos volumes compactos da edição da Pléiade, etc.) deram excelente resultado. Infelizmente os contemporâneos de Balzac não gostavam da coleção, talvez por causa dos caracteres fininhos, das gravuras mal executadas ou do preço elevado. As livrarias recusavam os La Fontaine e os Molière, e a edição teve de ser vendida aos trapaceiros ao preço de papel sujo. 
                  Meditando sobre o insucesso, julgou-o Balzac seria devido a motivos puramente técnicos. Os impressores trabalhavam mal e cobravam caro. Se a editora possuísse tipografia própria, o trabalho sairia melhor e mais barato, podendo-se vender os livros a preços bem mais acessíveis.  Richardson, autor de Clarisse Harlowe, um verdadeiro best-seller, imprimia por sua conta os próprios livros. Balzac resolve então comprar uma tipografia que justamente nessa ocasião estava a venda; compra-a pela ninharia de trinta mil francos. Como não entende do ofício, associa-se a um tipógrafo, Barbier, a quem indeniza pelo abandono do emprego com doze mil francos. Mais quinze mil são necessários para pagar a licença, obtida graças à intervenção do conselheiro de Berny (o marido enganado!). O senhor d'Assonvillez, ansioso em recuperar o primeiro capital, empresta um segundo a Balzac. O pai deste consente em entregar ao filho o capital de que lhe enviara os juros a Paris durante os anos da aprendizagem literária. A Dilecta empenha outra parte de seus bens.  É só pôr as máquinas em movimento. 
                   Ainda dessa vez a ideia era boa. Além dos trabalhos da editora, a tipografia aceitava encomendas vindas de fora - ou, antes, aceitaria, pois elas escasseiam cada vez mais e ao cabo de poucos meses a empresa se torna deficitária nas mãos do novo proprietário. Balzac entra a meditar outra vez e sai com outra observação exata: a impressão custava caro, porque a tipografia pagava caro os caracteres. Era preciso fabricá-los em casa. Daí a comprar uma fundição de caracteres - era um passo. Balzac comprou uma, falida, e ei-lo quase senhor de si. Se conseguisse fabricar o papel (etapa a que necessariamente haveria chegado se a empresa tivesse vivido mais tempo), alcançaria a autonomia completa de sua editora. 
                   As concepções de Balzac não só eram justas, mas também essencialmente modernas. Compreendeu perfeitamente a interdependência das indústrias do papel e do livo e foi um dos primeiros a considerar a editora como simples intermediária entre a tipografia e o público, mas sim como coordenadora de múltiplas atividades industriais, isto é, o tipo da grande empresa capitalista. Oque faltava era apenas os capitais. As dívidas ainda não tinham começado a ser pagas, e a casa exigia sem cessar novos investimentos. Barbier assustou-se e abandonou a sociedade. A família Balzac, depois de alguns meses de esforços, recusou-se a supri-lo de dinheiro. Não havia com que pagar os operários, que recorreram ao tribunal. A senhora de Berny, alarmada, entrou a fazer parte da firma; nada porém, podia já impedir a debandada. Em abril de 1828 seria inevitável a falência se não fosse a intervenção dos pais de Balzac, ciosos da honra do nome. Liquida-se tudo,vendem-se a tipografia e a fundição. Para Balzac resta apenas uma dívida de uns setenta e tantos mil francos e uma ótima oportunidade para dar um tiro na cabeça. 
                    Felizmente, desta vez declinou a solução lógica. Estudante falhado, escrivão despedido, dramaturgo vaiado antes da representação, mau romancista escondido sob pseudônimos, comerciante falido, tendo a cercá-lo o desprezo da família e a comiseração dos amigos, escreve à duquesa de Abrantes: "Posso lhe afirmar, minha senhora, que se tenho uma qualidade, é aquela que vê recusarem-me com a maior frequência, aquela que todos os que julgam conhecer-me são unânimes em me negar: energia." 
                   Durante os anos duros da estréia literária, da editora e da tipografia - que revivera magnificamente em Ilusões Perdidas - as experiências amargas da sensibilidade, as contínuas decepções e a luta recomeçada tantas vezes, o duro contato cotidiano com a impiedosa vida moderna, amadureceram o romancista, que sentia em si um desabrochar de dons maravilhosos e de repente se julgava de posse, ele mesmo nem sabia como, de todos os meios de um artista. Para ele a vida tinha agora dois fins: tornar-se famoso e, para pagar as dívidas, rico. Felizmente a mesma atividade levava a esses dois fins. Bastava escrever uma dúzia de obras primas. Foi o que fez. "
P.R. 
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Esta é mais uma parte da vida de Balzac, como empresário
Nicéas Romeo Zanchett 


terça-feira, 1 de julho de 2014

BALZAC - A SUA DILECTA


BALZAC - A SUA DILECTA 
                   Esta pessoa só podia ser uma mulher amorosa. Para adivinhar neste industrial de romances de cordel o futuro autor da Comédia Humana, não bastaria a inteligência mais penetrante; era preciso intuição do amor.  
                   Decorrido o prazo combinado para dar provas do seu gênio, Balzac teve de voltar a Villeparisis. Conquanto se tivessem resignados a não lhe impor mais o notariado, os pais achavam a vida de província mais saudável para ele e, principalmente, mais econômica para eles. Talvez alimentassem, ao mesmo tempo, a ilusão de que, menos exposto às tentações da glória, seu filho acabaria renunciando a literatura. Cedo tiveram, porém, de abandonar tal esperança, pois foi em Villeparisis que Balzac escreveu a maioria dos romances inconfessáveis de seu primeiro período; de lá, levava seus manuscritos à próxima capital. 
                  Depois do casamento da irmã Laure, que fora viver com o marido em Bayeux, o jovem literato sentia-se muito só numa casa onde o compreendiam tão pouco. Estava, aliás, na idade em que se espera impacientemente a grande paixão; demais, além do fogo de um amor, buscava também, sem o saber, o calor menos veemente de outro sentimento que sempre lhe fizera falta: a afeição materna. Uma mulher lhe traria um outro. 
                  " A celeste criatura de quem a senhora de Mortsauf do Lírio do Vale é apenas uma pálida cópia" era a esposa do senhor Gabriel de Berny, conselheiro da Corte, vizinho de Balzac em Villeparisis. Mulher de uma beleza melancólica e um tanto murcha, tinha em seu passivo vinte e oito anos de casamento, sete filhos vivos (dos nove que tivera) e a idade de quarenta e quatro anos, um pouco maior do que a senhora Balzac e exatamente o duplo da de Honoré.  A tristeza patética e a força desesperada do seu maior e último amor decorrem desses algarismos implacáveis. Um matrimônio fecundo mas infeliz, a reclusão num lugarejo morto onde o marido viera restabelecer a saúde abalada, as inquietações permanentes causadas pelas doenças de seus filhos e, por outro lado, seu espírito fino e culto, sua imaginação excitada pelas leituras, suas reminiscencias de uma infância feliz, passada à margem da Corte, tudo a predispunha à aventura, e foi com alvoroço que acolheu a suprema e imprevista oportunidade que se lhe ofereceu na pessoa um pouco vulgar e barulhenta, mas boa, forte, alegre e interessante, do jovem Balzac em quem ela, só ela, descobria, pelo fogo dos olhos, pela vivacidade dos gestos, pela firmeza da fé em si mesmo, por mil pormenores impossíveis de definir, o gênio vindouro. Umas aulas dadas pelo moço ao caçula do casal serviram de prelúdio ao namoro, iniciado por uma série de cartas patéticas que o futuro romancista enche de tiradas inflamadas (às vezes simplesmente copiadas  de suas leituras) para vencer a resistência não muito forte da "mulher de 40 anos". O amor dos dois devia durar mais de dez anos para depois se transformar em amizade profunda, só se apagando com a morte de Laure em 1836. 
                Todos os biógrafos do romancista insistem na influência importante exercida pela Dilecta (nome dado por Balzac à sua amiga) sobre o rumo não apenas da vida, mas da obra deste. Animando-o desde o começo de sua carreira, não cessava de aconselhá-lo no apogeu de sua glória, lia-lhe as obras, estimulava-o com elogios, forçava-o com censuras a se emendar; ajudava-o eficazmente, como veremos, em suas dificuldades financeiras. Má esposa e mãe infeliz, soube ser amante perfeita. 
                 Foi ela, sem dúvida, que lhe afinou os gostos rústicos e aprimorou as maneiras pouco elegantes, polindo-lhe as asperezas com o tato de sua experiência. Só ela teria a coragem de observar ao romancista vitorioso que, "seus anjos falavam como raparigas".  Balzac a tinha em conta de um árbitro seguro e executava religiosamente as modificações que ela lhe impunha. Em sua última carta, a moribunda podia com razão orgulhar-se de sua contribuição à glória de Balzac, a quem   consagra o que tinha de melhor na alma:"Posso morrer; estou certa de que você te na fronte a coroa que eu nela quisera ver. O Lírio do Vale, é uma obra sublime, sem mancha nem falta". O amante não pecou por falta de gratidão. Mesmo quando a velhice extinguiu os encantos da Dilecta, conservava-lhe uma afeição sincera, e, antes e depois da morte dela, costumava lembrá-la a suas outras amantes e amigas sempre com verdadeira veneração. 
                 Durante muito tempo, pairou dúvida sobre a identidade da Dilecta. Fopram George Vicaire e Gabriel Hanotaux que, ao examinar os papéis da falência de caracteres Laurent,     Balzac & Barbier, de que mais adiante falaremos, descobriam neles o nome da senhora de Berny que ocorreu no momento crítico e fez-se sócia de Balzac para salvar a firma. Outras pesquisas permitiram aos dois estudiosos estabelecer que ela, em solteira Laure-Louise Antoinette, era filha de um harpista alemão da rainha Maria Antonieta e de uma camareira da mesma; seus padrinhos eram nada menos que o rei Luiz XVI e a rainha. Tinha sete anos quando lhe morreu o pai e dez quando sua mãe casou em segundas núpcias com o cavalheiro de Jajayes, monarquista conhecido por haver tentado salvar a rainha no momento da Revolução. Com a mãe, o padrasto e o marido (com quem casara em 1793), Laure foi presa em 1794 e só conseguiu salvar-se graças à queda de Robespierre. Sua mãe conservava até o fim da vida uma madeixa de cabelos e um par de brincos que Maria Antonieta lhe mandara antes de morrer. Testemunha de conspirações e tramas, participante de fugas e perseguições, remanescente de uma corte brilhante, a Dilecta contava a Balzac todas as cenas romanescas da sua mocidade, e o escritor estreante sorvia-lhe as palavras, de que se lembraria ao escrever Um Episódio do Terror e O Avesso da História Contemporânea. Contrariamente ao que se poderia pensar, não foi a Dilecta que inspirou a ideologia política de Balzac; mulher de inteligência superior, clarividente e generosa, ela compreendia que "a Revolução contra as andadeiras dos homens" e, ao ver o seu Honoré enveredar pela atalho do legitimismo, advertiu repetidas vezes contra o perigo de se comprometer com os monarquistas. "Mesmo que vencesse", - escreveu-lhe numa das poucas cartas que dela se conservam - "esta gente, que sempre foi ingrata por princípio, não mudaria por tua causa; tem todos os defeitos do egoísmo... e um desdém que toca as raias do desprezo, por aqueles que saíram de um outro sangue". 
                    As tendências monarquistas de Balzac, originadas por seu esnobismo (lembre-se o caso da partícula!) devem ter sido fortalecidas pela atmosfera geral da época, em que era de moda entre os jovens literatos ser favorável à Restauração - da qual precisamente o futuro apóstolo republicano, Victor Hugo, era o poeta oficial - pelo exemplo de certos amigos e, principalmente, de certas amigas. Sim, a vida toda de Balzac parece subordinada a influências femininas. Entre estas, conta-se a da duquesa de Abrantes, sua amante durante algum tempo e cujas Memórias mais tarde o escritor levaria, por gratidão, a um editor amigo. Pouco mais moça do que a senhora de Berny e muito mais velha do que Honoré, esta famosa intrigante atraía o jovem escritor menos por seus encantos já algo murchos, do que pelo reflexo de seu antigo brilho, o falso luxo de seu salão e seus sonhos áulicos. Às intermináveis palestras em seu boudoir (suite) a sombra de Metternich, seu antigo amante, devia estar presente, segundo uma observação mordaz da senhora Berny.  
                    Duas outras mulheres, mais moças e mais belas, viriam logo depois continuar a obra da duquesa de Abrantes, acendendo cada vez mais na alma de Balzac o desejo de ascensão social. Mas desde 1824. data em que publica dois panfletos, Do Direito de Primogenitura e História Imparcial dos Jesuítas, aparece já como partidário militante da Monarquia da Igreja. Teremos a ocasião de Demonstrar que nem por isso a Comédia Humana, este grandioso fresco da sociedade da Revolução, ficaria manchada de parcialidade, pois o gênio do autor, felizmente, sobrepujou as tendências do seu espírito.  Mas o homem nunce se liberta desse deplorável esnobismo que lhe faria buscar as rodas aristocráticas, estragando-lhe a felicidade e, na literatura, desviando-lhe o interesse das largas camadas do povo. Tinha todos os dotes para ser pintor de toda a sociedade de sua época, mas a ambição restringiu-lhe o horizonte às classes superiores, da burguesia para cima, e impediu-o quase totalmente de viver o drama dos mais pobres. 


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BIOGRAFIA SIMPLIFICADA DE BALZAC
Por Nicéas Romeo Zabchett

´BALZAC - OS PRIMEIROS ROMANCES


BALZAC - OS PRIMEIROS ROMANCES 
                   "Rousseau e Richardson  haviam iniciado a moda dos romances sentimentais, devorados por um número sempre crescente de leitores.  Este novo público nada tinha a ver com os leitores eruditos de outrora, amigos e colecionadores de belos liros. As moças liam com sede de aventuras, liam em busca de emoções e de evasão, liam para matar o tempo. Uma vez lido um livro, nunca mais o retomariam. Pouco olhavam para a qualidade e não faziam questão e possuir a obra cuja literatura terminaram. As exigências de tal público deram um surto extraordinário à instituição dos gabinetes de leitura onde os livros se emprestavam por um tanto o volume.  Os donos, portanto, preferiam obras em muitos volumes: um leitor que tivesse lido o primeiro volume era um freguês certo para todos os outros. Por sua vez, os editores, cujos consumidores eram justamente os gabinetes de leitura, procuravam satisfazê-los. Não somente encomendavam romances longos, como também reduziam o formato, alargavam as margens, esbanjavam o papel, numa palavra - faziam tudo para dividir um só romance no maior número possível de volumes. Os escritores, naturalmente, não deixavam de se adaptar às exigências da moda: estiravam os romances multiplicando os episódios, arrastando os heróis de uma série interminável de aventuras, não se decidindo a matá-los  senão depois de várias mortes simuladas e outras tantas ressurreições; por outro lado, ao chegar no fim de um volume, interrompiam a ação no ponto culminante, com o fito de espicaçar a curiosidade do leitor. 
                Assim as características do novo gênero foram em parte determinados por motivos puramente técnicos e fortuitos. Em sua evolução também interferiram, no entanto, influências literárias, sobretudo inglesas.  Na Grã-Bretanha perdurava o sentimentalismo doentio e lúgubre, característico do pré-romantismo, produto dos cantos do pseudo Ossian, das Noites, de Young, e de toda uma poesia sepulcral. Da lírica, a melancolia passou para o romance, mas degenerando em frenética procura de impressões terrificantes. Nos romances sombrios de Lewis, de Maturin, de Anne Radcliffe há um não acabar de subterrâneos, de castelos abandonados, de assassinos, de aparições e fantasmas - bastante parecidos à horrível literatura de quadrinhos das atuais revistas infantis. 
                   Se demorarmos em descrever os traços dessa "literatura", foi porque eles caracterizam perfeitamente os romances escritos por Balzac de 1822 a 1825. Tive a pachorra de ler esses trinta volumes da primeira à última página, e fiquei espantado com o seu nível baixo. Apenas nos últimos desses romances se vislumbra, de vez em quando, uma observação curiosa ou uma frase bem cunhada, mas que de forma alguma anuncia o criador da Comédia Humana.
                   O próprio Balzac não tinha a menor ilusão a respeito dessas publicações, tão puco as levava a sério que, para acabá-las mais depressa, pedia à irmã que escrevesse por ele capítulos inteiros. Em suas cartas a esta não exita em qualificá-las de "porcarias literárias", e certa vez exclama: "Contudo, é preciso escrever, escrever todos os dias para conquistar independência que me recusam.  Procurar tornar-se livre por meio de romances, e que romances! Oh, Laura, que tombo de meus sonhos de glória! Mas a melhor prova de que Balzac julgava em seu justo valor A Herança de Birague, Jean-Louis ou a Enjeitada, Clotilde de Lusigan ou o Belo Judeu, O Centenário ou os dois Beringheld, O Vigário das Ardenas, A última Fada ou a Nova Lâmpada Maravilhosa, Annete e o Criminoso, Wann-Chlore, é que não punha o seu nome em nenhum deles, mas publicava-os sob pseudônimos - Lord R'hoone (anagrama de Honoré) , Horace de Saint-Aubin, etc. - ou anonimamente. Em seguida, embora necessidades de dinheiro o tenham forçado a negociar outra vez os direitos dessas obras, não as quis jamais reconhecer publicamente. 
                  Esses livrecos, bastante bem pagos pelos editores, que, acossados pelo público, lançavam qualquer  coisa, deram para Balzac viver e permitiram-lhe não adotar outra profissão; não resolveram, porém, o problema da independência tão desejada. Por outro lado, cada mau livro saído de sua pena confirmava o julgamento dos seus a respeito de sua incapacidade. 
                   Tudo isso era de péssimo agouro para uma futura glória literária. Sem dúvida, Balzac continuava a crer firmemente em seu talento, mas encontrava obstáculos terríveis: a pobreza, a desgraça dos amigos e os sarcasmos da família, e, principalmente, a falta de espontaneidade com que se exprimia, a dificuldade em encontrar as palavras exatas, em escrever com elegância. Talvez desistisse se não lhe tivesse chegado, no momento oportuno, o mais precioso dos auxílios. Conseguiu comunicar a outra pessoa sua fé ardente em si mesmo." P.R. 

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Por 
Nicéas Romeo Zanchett 

BALZAC - UM APRENDIZ DE LITERATURA


BALZAC - UM APRENDIZ DE LITERATURA 
                   "Balzac tem seus vinte anos quando se lhe oferece ocasião magnífica para resolver o problema do seu futuro. Outro amigo do pai, também notário, prontifica-se a aceitá-lo como auxiliar para depois deixá-lo com o cartório, promessa já sedutora em sia, e embelezada ainda pela perspectiva de um bom casamento. Grande foi, pois, o estupor dos Balzac ao ouvir Honoré recusar terminantemente essa combinação e declarar que estava farto de papéis, cartórios e tabeliães, e que queria fazer o seu caminho por si mesmo. Mas da surpresa passaram à indignação quando Honoré enunciou que, em vez de escrevente, pretendia ser escritor. Um moço que não sabia enfiar duas frases! E mesmo que o soubesse, era lá essa uma profissão? Justamente a família se encontrava em más condições pecuniárias. Aposentado o pai, todos tiveram de deixar Paris e ir viver modestamente num lugarejo próximo, Villeparisis. Em vez de ajudar os pais, queria Honoré impor-lhes novas despesas? 
                  Foi por esses trilhos que a discussão enveredou, mas o rapaz não se rendeu aos argumentos mais sensatos. Finalmente, o senhor Bernard-François  cedeu, compreendendo que não podia condenar a profissão de escritor sem renegar a sua História da raiva. Pai e filho concluíram então um acordo em regra. Honoré iria passar dois anos em paris, à custa da família. Dentro desse período devia fornecer provas inequívocas da sua vocação literária. Como a tentativa podia dar em malogro, o literato aprendiz obrigava-se a viver incógnito em Paris, escondendo-se para não comprometer o nome da família. Em casa dir-se-ia às visitas que ele fora para o campo, estava viajando, continuava os estudos... Qualquer mentira servia, desde que nada transpirasse do projeto monstruoso. 
                  Havia ainda o perigo das seduções de Paris, porém fácil de conjurar. Bastava restringir a mesada ao mínimo necessário e confinar o jovem num quarto miserável, pequeno, com a mobília mais sumária possível, aos cuidados de uma velha criada. Sentia-se o homem mais feliz do mundo ao tomar posse, em abril de 1819, de sua mansarda, na rua Lesdiguières, perto das nuvens e da biblioteca do Arsenal.  Transbordante de entusiasmo, num trecho das cartas alegres e espirituosas que manda à irmã, a quem pede ora o Tácito da biblioteca paterna, ora mais um cobertor (fazia um frio na mansarda!),  ouvimo-lo exclamar: "Pegou fogo, na rua Lesdiguières número 9, na cabeça de um pobre rapaz, e os bombeiros não conseguiram apagá-lo. Foi ateado por uma bela mulher que ele não conhece; dizem que mora nas Quatro-Estações, no fim da Ponte-das-Artes; chama-se Glória". 
                  Começa o trabalho, isto é, põe-se a ler, a meditar, a passear, a observar e ver. A matéria principal do seu estudo é Paris. Depois de ter escolhido para lugar de suas meditações o Jardim das plantas, abandona-o por "tê-lo achado triste demais" e transfere-se para o Père Lachaise, o grande cemitério de Paris, terreno admirável para fazerem "estudos de dor". E, cheio de confiança, constrói projetos, um após outro, e nem mesmo o presságio dos sofrimentos morais ligados à sua profissão chega a desanimá-lo: "Quer tenha gênio quer não, estou preparando muitas mágoas para um e outro caso". 
                   A série destas mágoas ia ter começo. Ao cabo de um ano passado em Paris, volta Balzac a Velleparisis para ler à família e aos amigos a sua primeira obra, a tragédia Cromwell, que em sua opinião, deverá marcar época. (Por uma coincidência deveras curiosa, dois outros estreantes, sem nada saber um do outro nem de Balzac, trabalhavam mais ou menos na mesma época em drama acerca de Cromwell. Um deles era Mérimée, cujo drama se perdeu; outro, Hugo, cuja peça, impossível de representar, se tornou famosa pelo prefácio com que saiu publicada em 1827, verdadeira declaração de guerra à arte clássica, profissão de f´do movimento romântico. (O assunto, romântico avant la lettre, pairava no ar à espera de escritores.) Por infelicidade de Balzac, a família toda concorda em qualificar o seu drama de péssimo. O escritor recusa o tribunal e pede a sentença de um árbitro; este, escolhido de comum acordo, um senhor Andrieux, professor de literatura na escola Politécnica, lê a peça por sua vez.  As palavras que se lhe atribuem - "O autor deve fazer qualquer coisa, exceto literatura" - parecem inventadas pelo anedotismo que se compraz em contrastes imprevistos e motes picantes; seu sentido, porém, não devia ser muito diferente. 
                   Caberia aqui uma bela digressão sobre a incompreensão das das famílias e dos contemporâneos em geral diante do gênio. Mas o fato é que o drama de Balzac era realmente péssimo. Nisto os árbitros não se enganavam absolutamente. Foi culpa deles não suporem que um rapaz que aos vinte anos escrevia dramas péssimos faria romances esplêndidos aos trinta? Tudo isso significa apenas que conhecemos mal as leis da gênese de um gênio - se é que existem. 
                 O autor nada podia opor-lhes senão a sua certeza interior. Se os outros o julgavam falhado na literatura, ele sabia restringir esta condenação a um só gênero. Se não lograra êxito no drama, era porque a sua vocação consistia no romance. Voltou à mansarda da rua Lesdiguières  para fazer romances. Não tardou muito em compreender, porém, que dentro do prazo combinado não podia tornar-se um verdadeiro escritor. Para sê-lo, era preciso aprender muito mais, ordenar as suas ideias, formar um estilo, ver e viver. Continuava a sentir com segurança absoluta que havia nele um mundo que chamava por ser revelado. Mas já sabia que sem o necessário amadurecimento não poderia revelá-lo, e que esse processo não se deixaria apressar. "Vejo agora" - confessa à irmã - "que Cromwell não tinha sequer o mérito de ser um embrião".  
                  Decorridos os dois anos, não poderia mais contar com a família. A independência necessária ao preparo de sua carreira de escritor, tinha de adquiri-la ele mesmo. E como não sentisse capacidade para nenhuma outra profissão, só podia fazê-lo escrevendo. Daí esta resolução paradoxal; para poder um dia compor livros bons, resignava-se por enquanto a fabricar livros maus, frívolos, vazios, feitos em cima da perna, de lucro imediato. O que há de mais estranho é que esta ideia absurda foi realizada exatamente como concebera Balzac." P.R. 
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Por Nicéas Romeo Zanchett