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terça-feira, 1 de julho de 2014

BALZAC - UM APRENDIZ DE LITERATURA


BALZAC - UM APRENDIZ DE LITERATURA 
                   "Balzac tem seus vinte anos quando se lhe oferece ocasião magnífica para resolver o problema do seu futuro. Outro amigo do pai, também notário, prontifica-se a aceitá-lo como auxiliar para depois deixá-lo com o cartório, promessa já sedutora em sia, e embelezada ainda pela perspectiva de um bom casamento. Grande foi, pois, o estupor dos Balzac ao ouvir Honoré recusar terminantemente essa combinação e declarar que estava farto de papéis, cartórios e tabeliães, e que queria fazer o seu caminho por si mesmo. Mas da surpresa passaram à indignação quando Honoré enunciou que, em vez de escrevente, pretendia ser escritor. Um moço que não sabia enfiar duas frases! E mesmo que o soubesse, era lá essa uma profissão? Justamente a família se encontrava em más condições pecuniárias. Aposentado o pai, todos tiveram de deixar Paris e ir viver modestamente num lugarejo próximo, Villeparisis. Em vez de ajudar os pais, queria Honoré impor-lhes novas despesas? 
                  Foi por esses trilhos que a discussão enveredou, mas o rapaz não se rendeu aos argumentos mais sensatos. Finalmente, o senhor Bernard-François  cedeu, compreendendo que não podia condenar a profissão de escritor sem renegar a sua História da raiva. Pai e filho concluíram então um acordo em regra. Honoré iria passar dois anos em paris, à custa da família. Dentro desse período devia fornecer provas inequívocas da sua vocação literária. Como a tentativa podia dar em malogro, o literato aprendiz obrigava-se a viver incógnito em Paris, escondendo-se para não comprometer o nome da família. Em casa dir-se-ia às visitas que ele fora para o campo, estava viajando, continuava os estudos... Qualquer mentira servia, desde que nada transpirasse do projeto monstruoso. 
                  Havia ainda o perigo das seduções de Paris, porém fácil de conjurar. Bastava restringir a mesada ao mínimo necessário e confinar o jovem num quarto miserável, pequeno, com a mobília mais sumária possível, aos cuidados de uma velha criada. Sentia-se o homem mais feliz do mundo ao tomar posse, em abril de 1819, de sua mansarda, na rua Lesdiguières, perto das nuvens e da biblioteca do Arsenal.  Transbordante de entusiasmo, num trecho das cartas alegres e espirituosas que manda à irmã, a quem pede ora o Tácito da biblioteca paterna, ora mais um cobertor (fazia um frio na mansarda!),  ouvimo-lo exclamar: "Pegou fogo, na rua Lesdiguières número 9, na cabeça de um pobre rapaz, e os bombeiros não conseguiram apagá-lo. Foi ateado por uma bela mulher que ele não conhece; dizem que mora nas Quatro-Estações, no fim da Ponte-das-Artes; chama-se Glória". 
                  Começa o trabalho, isto é, põe-se a ler, a meditar, a passear, a observar e ver. A matéria principal do seu estudo é Paris. Depois de ter escolhido para lugar de suas meditações o Jardim das plantas, abandona-o por "tê-lo achado triste demais" e transfere-se para o Père Lachaise, o grande cemitério de Paris, terreno admirável para fazerem "estudos de dor". E, cheio de confiança, constrói projetos, um após outro, e nem mesmo o presságio dos sofrimentos morais ligados à sua profissão chega a desanimá-lo: "Quer tenha gênio quer não, estou preparando muitas mágoas para um e outro caso". 
                   A série destas mágoas ia ter começo. Ao cabo de um ano passado em Paris, volta Balzac a Velleparisis para ler à família e aos amigos a sua primeira obra, a tragédia Cromwell, que em sua opinião, deverá marcar época. (Por uma coincidência deveras curiosa, dois outros estreantes, sem nada saber um do outro nem de Balzac, trabalhavam mais ou menos na mesma época em drama acerca de Cromwell. Um deles era Mérimée, cujo drama se perdeu; outro, Hugo, cuja peça, impossível de representar, se tornou famosa pelo prefácio com que saiu publicada em 1827, verdadeira declaração de guerra à arte clássica, profissão de f´do movimento romântico. (O assunto, romântico avant la lettre, pairava no ar à espera de escritores.) Por infelicidade de Balzac, a família toda concorda em qualificar o seu drama de péssimo. O escritor recusa o tribunal e pede a sentença de um árbitro; este, escolhido de comum acordo, um senhor Andrieux, professor de literatura na escola Politécnica, lê a peça por sua vez.  As palavras que se lhe atribuem - "O autor deve fazer qualquer coisa, exceto literatura" - parecem inventadas pelo anedotismo que se compraz em contrastes imprevistos e motes picantes; seu sentido, porém, não devia ser muito diferente. 
                   Caberia aqui uma bela digressão sobre a incompreensão das das famílias e dos contemporâneos em geral diante do gênio. Mas o fato é que o drama de Balzac era realmente péssimo. Nisto os árbitros não se enganavam absolutamente. Foi culpa deles não suporem que um rapaz que aos vinte anos escrevia dramas péssimos faria romances esplêndidos aos trinta? Tudo isso significa apenas que conhecemos mal as leis da gênese de um gênio - se é que existem. 
                 O autor nada podia opor-lhes senão a sua certeza interior. Se os outros o julgavam falhado na literatura, ele sabia restringir esta condenação a um só gênero. Se não lograra êxito no drama, era porque a sua vocação consistia no romance. Voltou à mansarda da rua Lesdiguières  para fazer romances. Não tardou muito em compreender, porém, que dentro do prazo combinado não podia tornar-se um verdadeiro escritor. Para sê-lo, era preciso aprender muito mais, ordenar as suas ideias, formar um estilo, ver e viver. Continuava a sentir com segurança absoluta que havia nele um mundo que chamava por ser revelado. Mas já sabia que sem o necessário amadurecimento não poderia revelá-lo, e que esse processo não se deixaria apressar. "Vejo agora" - confessa à irmã - "que Cromwell não tinha sequer o mérito de ser um embrião".  
                  Decorridos os dois anos, não poderia mais contar com a família. A independência necessária ao preparo de sua carreira de escritor, tinha de adquiri-la ele mesmo. E como não sentisse capacidade para nenhuma outra profissão, só podia fazê-lo escrevendo. Daí esta resolução paradoxal; para poder um dia compor livros bons, resignava-se por enquanto a fabricar livros maus, frívolos, vazios, feitos em cima da perna, de lucro imediato. O que há de mais estranho é que esta ideia absurda foi realizada exatamente como concebera Balzac." P.R. 
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Por Nicéas Romeo Zanchett 

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