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domingo, 29 de junho de 2014

BALZAC - BIOGRAFIA E MISTÉRIO


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BALZAC - BIOGRAFIA E MISTÉRIO 
                    "O conhecimento dos fatos materiais da vida de um artista facilitará realmente a compreensão de sua obra? Sem dúvida. A biografia esclarece diversos aspectos da criação artística, revela as fontes das ideias do artista, indica-lhe as inspirações, segue a cristalização de sua personalidade intelectual, assinala os impulsos que recebeu de sua época e os que esta comunicou.  Mais ainda; graças ao paciente trabalho de reconstrução empreendido pelo biógrafo, a imagem do biografado, deformada pelo tempo e pela glória, reassume feições humanas. Sua personagem lendária e irreal ganha um cunho de familiaridade. Seus atos e suas atitudes encontram uma apreciação serena, justa e definitiva. O herói acaba por aparecer aos olhos dos leitores como ser parecido com eles. Em redor da obra, no entanto, a névoa não se dissipa em medida igual. 
                     Quando mais pormenores se conhecem da existência de um homem genial, tanto mais enigmática se torna a essência de sua personalidade artística. Poder-se-ão penetrar os seus segredos, mas não o seu mistério. O caso de Balzac confirma este aparente paradoxo. Inúmeras pesquisas de minúcias, a publicação sucessiva de uma infinidade de testemunhos e de documentos íntimos entregaram-nos a toda a sua vida particular. Conhecemo-lo hoje, pode-se afirmar com segurança, bem melhor do que os contemporâneos o conheciam, mas nem por isso compreendemos ainda o misterioso desabrochar, naquele indivíduo nascido em 16 de maio de 1799 e morto a 18 de agosto de 1850, da anomalia psicológica que é o gênio. 
                     Hoje vemos Balzac à luz dos refletores da pesquisa como nas cenas sucessivas de um filme contínuo.  Criança de sentimentos recalcados, com uma viva e insatisfeita sede de amor, entre pais estrambóticos. Adolescente desambientado num meio escolar de onde toda manifestação de fantasia está excluída. Jovem derrotado logo nos primeiros encontros com o destino, marcado pelo resto da vida com o estigma da incapacidade. Homem já feito, arrastando complexos de inferioridade e procurando compensar a consciência  da inata  vulgaridade por um esforço desesperado para atingir os cumes brilhantes da vida, a beleza, a nobreza, a fortuna. Velho antes do tempo, esgotado por milhares de noites de trabalho feroz, abatendo-se no limiar da felicidade almejada. Vemos-lhe os olhos em brasa, as faces rechonchudas, o papo do pescoço, os membros sem graça, a gesticulação exuberante, as vestes berrantes. Ouvimos-lhe a voz retumbante e a palavra fácil, a gargalhada grossa e a respiração ofegante. Apalpamos-lhe a mão poderosa, os ombros largos, e até a barriga, produto da vida sedentária. Diagnosticamos as suas tonturas, apanhamos com o estetoscópio os ruídos de seus pulmões, o bater de seu coração hipertrofiado.  Acompanhamo-lo em suas numerosas viagens, surripiamos sua correspondência, espionamos-lhe os namoros e amores. Acabamos por ter a impressão de haver nele um velho conhecido, quase que um membro da família - e ao mesmo tempo compreendemos cada vez menos o seu talento, essa monstruosidade que o diferencia dos outros homens. A adição de todos esses elementos, e de outros mais, já descobertos ou por descobrir, não dá uma soma igual a gênio. Não por ter sido tudo isso, mas apesar de tê-lo sido, foi que Balzac criou a Comédia Human, a maior fusão já conseguida da literatura com a vida real. O conhecimento da existência do autor não desvenda o misterioso porque desta realização; serve apenas para aumentar o assombro do espectador, para incutir-lhe um terror quase religioso perante o irracional. " Paulo Rónai. 

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