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segunda-feira, 30 de junho de 2014

BALZAC - MÃE E FILHO

Escultura de Balzac 
BALZAC - MÃE E FILHO 
                  "Este sábio, de fato, cometera um erro de consequências graves. Casara-se com uma moça que tinha 32 anos menos do que ele, Laure Sallambier, filha de um diretor dos hospitais de Paris.  Esta diferença enorme de idade explica, em parte, a falta de uma verdadeira atmosfera de felicidade dentro da casa paterna, falta com que Balzac ia sofrer tanto. Ambiciosa, nervosa, insatisfeita ao lado de um marido que, do alto de sua serenidade olímpica, pouco se importava com seus rompantes, ela, sem querer, fazia gemer os filhos sob o peso de seu temperamento áspero. A senhora Balzac era uma dessas mães que, embora possuindo no mais alto grau o sentimento de família, são incapazes de expressar ternura. Sempre sujeita a apreensões reais, e imaginárias e a repentinas mudanças de humor, receava para os filhos consequências nefastas da indulgência paterna, e procurava corrigi-la como a natureza "que rodeia as rosas de espinhos e os prazeres de desgostos". Atendia com feroz energia aos interesses materiais dos seus e atribulava-lhes o espírito com a maior boa vontade do mundo. A glória de seu filho Honoré em nada lhe modificou as disposições. Consagrou-lhe a própria existência, mas estragou a dele com incessantes implicâncias. Havia entre os dois um conflito permanente, agravado pelo fato de haver o filho, pelas dívidas que contraíra logo no começo de sua carreira e de que nunca se conseguiu livrar, reduzindo a mãe e toda a família a um verdadeiro estado de pobreza. Aliás Balzac, a despeito dos lucros imensos que lhe traziam seus livros, não conseguiu desvencilhar-se das obrigações pecuniárias para com a própria mãe, que ficou sua credora. Como tantas vezes acontece, esta, por seu lado, não levava a sério o filho famoso. Balzac, já com cinquenta anos e um renome universal, queixava-se de que a mãe o admoestava como a uma criança. Vez por outra, o conflito entre essas duas criaturas, que, no fundo, se queriam muito, atingia uma intensidade trágica, como o revelam certos trechos da correspondência de Balzac com a condessa Hanska, sua futura mulher. "Ela é a um tempo um monstro e uma monstruosidade! Neste momento, etá matando minha irmã, depois de ter matado a minha pobre Laurence e minha avó" - exclama o escritor numa página de terrível amargura, em que afirma não ter rompido definitivamente com a mãe unicamente porque lhe deve dinheiro; e acrescenta: "Acreditávamos que estivesse louca, e fomos consultar o médico, que é seu amigo desde há trinta e três anos. Ele nos respondeu: "Infelizmente ela não é louca; é má!... Ela não nos perdoa os seus defeitos". 
                   Se houvesse lido essas frases terríveis, a mãe teria sem dúvida acusado o filho de ingratidão, e não sem motivo. Quem procura colocar-se na situação da senhora Balzac há de reconhecer que ela pagou bastante caro a glória de ter dado à luz o maior romancista da França. Como podia conformar-se com a conduta daquele filho turbulento e incompreensível, criança eterna que não criava juízo, ganhava fortunas e não pagava as dívidas mais prementes, vivia no luxo sem ter um tostão, matava-se com o trabalho e café, empreendia as especulações mais loucas, mudava-se constantemente, abandonava em os trabalhos mais urgentes e corria atrás da aventura na Suíça, na Itália, na Rússia, deixando passar meses sem escrever à mãe? Não, os instintos conservadores da senhora Balzac, encarnação do espírito de família, não podiam decididamente aquiescer à "maluquice" de Honoré. Por outro lado, o instinto materno nunca lhe permitiu abandoná-lo, agisse ele como quisesse, e ficou ao lado dele até o fim, assistindo-o fielmente em sua agonia, pois o destino a fez sobreviver ao filho. 
                Balzac não desconhecia, aliás, a dedicação da mãe, e disto deu inúmeros testemunhos em suas cartas a ela, cheias de sinceros protestos de amor filial. Agradecia-lhe mais de uma vez os seus incessantes cuidados e afirmava que o fim principal de seus trabalhos era assegurar-lhe uma velhice tranquila e feliz. Apenas este sentimento não suportava a proximidade; bastava que os dois morassem sob o mesmo teto para recomeçar a briga. 
                Na media em que é possível determinar a transmissão das qualidades dos pais aos filhos, pode-se dizer que Balzac herdou da mãe a imaginação quase doentia, o temperamento impressionável, sujeito a crises de abatimento e a acessos de otimismo. Também foi ela que lhe transmitiu seu pendor para o misticismo, ao qual provavelmente a levaria a procura de um refúgio em meio às atribulações de uma existência falhada, e foi entre os livros dela que Honoré encontrou pela primeira vez as obras de Swedenborg, que o deviam impressionar tão fortemente. 
                Havia também, na casa do senhor Bernard-François, a sogra, mãe de Laure Sallambier. Aliada natural da filha, tentava cansar a paciente resignação do genro, cujas reações, no entanto, se limitavam a uma ou outra observação maliciosa, cochichada ao ouvido dos filhos. "Vossa avó - dizia-lhe num piscar de olhos - é uma comediante hábil que conhece o valor de um passo, de um olhar, da maneira de cair numa poltrona." Mas pelo menos ela não partilhava a severidade da filha contra os netinhos, a quem teria viciado com suas carícias se não fora a constante vigilância materna." P.R.

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