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segunda-feira, 30 de junho de 2014

BALZAC E A HERANÇA PATERNA

BALZAC E A HERANÇA PATERNA 
                   Balzac nasceu no dia 16 de maio de 1799, dia de São Honorato, cujo nome lhe foi dado em Tours, capital de Touraine, "o jardim da França", uma das regiões mais belas da Europa. Críticos literários tiram às vezes desta circunstância conclusões apressadas procurando explicar, pelo lugar de seu nascimento, características artísticas da fisionomia do escritor. Pátria de Rebelais, o criador de Gargântua, a Touraine distingue-se - na própria definição de Balzac - por um espírito "conservador, manhoso, trocista e epigramático... e, ao mesmo tempo, ardente, artístico, poético e voluptuoso". Mas o fato é que foi por mero acaso que Honoré veio a nascer em Tours, para onde seu pai, Bernard-François, languedociano de origem, fora transferido pouco antes de ele nascer, conduzindo consigo a esposa, a parisiense Laure Sallambier, com quem se tinha casado em 1797; e, como mais adiante revemos, o filho passaria em Tours apenas os anos da infância.
                   Ao examinar os papeis administrativos relativos ao nascimento de Honoré,  pesquisadores impertinentes depararam com a falta, entre os nomes "Honoré" e "Balzac", da partícula nobiliária "de", que o escritor sempre ostentava com vanglória tanto maior quanto menos direito lhe cabia de usá-la. Por outro lado, da certidão de idade do pai se vê que este é filho de um modesto lavrador do sul da França, cujo nome se grafava Balssa e não Balzac. 
                  O nome de Balzac, além de mais aristocrático, tinha também um sabor literário, pois fora ilustrado, desde o século XVII, por Jean-Louis Guez de Balzac, um dos primeiros membros da Academia Francesa, apelidado por seus contemporâneos de "o Grande Epistológrafo". 
                   Estas pequenas mistificações devem por-nos de sobreaviso quanto às brilhantes funções que o romancista, mais tarde, atribuiria ao seu progenitor. Parece estabelecido hoje que o senhor Bernard-François Balzac não exerceu o cargo de "secretário do Grande Conselho sob Luiz XV, nem o de  "advogado do Conselho sob Luiz XVI", mas apenas e o de secretário particular de um banqueiro durante o Antigo Regime, e o de funcionário do serviço de vitrines durante a Revolução. Depois de sua permanência de quase vinte anos em Tours, chegou a ser adido do maire e um dos administradores do hospital local; enfim, nomeado funcionário da direção do mesmo serviço de víveres em Paris, em que foi aposentado. 
                  Nem por isso o pai de Balzac deixa de ser uma personagem curiosa. Tipo do esquisitão, professava princípios à la Rousseau, e tinha um número regular de manias, todas reduzíveis a uma só, a principal entre todas: a da longevidade. Queria prolongar a vida humana em geral e a sua em particular por todos os meios, e para isto preconizava a volta à natureza, o exercício físico, a abstinência alimentar e genésica; estudava com entusiasmo os costumes dos chineses, povo tido como de vida mais longa que os outros; fazia a propaganda mais fervorosa de certa tontina Lafargue, chamada a preservar a velhice dele e de seus concidadãos das preocupações materiais. Com ares de reformador, espalhava idéias bizarras sobre a eugenia, o aperfeiçoamento da raça humana, e publicou certo número de folhetos acerca dos assuntos mais variados, mas todos reveladores de preocupações universais e humanitárias. Eis alguns títulos (abreviados) desses opúsculos curiosos: História da raiva e o meio de preservar os homens desta desgraça como também de algumas outras que lhes ameaçam a existência; Memorial sobre as desordens escandalosas das jovens enganadas e entregues a uma horrível miséria; Memorial sobre os meios de se premunir contra os roubos e os assassinos, etc. Contudo isso, um fidalgo, homem indulgente e espirituoso, e que sabia manter, no meio das tempestades domésticas, a atitude risonha e serena de um verdadeiro sábio. Tinha 53 anos quando Honoré nasceu, e, não fosse um acidente que o matou na idade de 83 anos, haveria enterrado, centenário, todos os seus consócios da tontina.
                  Na constituição espiritual de Honoré, a herança paterna revela-se na força extraordinária da memória, na excepcional extensão da curiosidade intelectual, na predileção por ideias gerais e reformas, e em certa excentricidade nos princípios e nos hábitos. Em particular, as estranhas máximas da Fisiologia do Casamento demonstrariam a forte influência dos aforismos e dos paradoxos em que o senhor Bernard-François resumia ironicamente suas próprias experiências matrimoniais.  P.R. 
                   
        

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