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BALZAC NO COLÉGIO
"A respeito dos primeiros anos de Honoré não se registram senão amáveis ninharias. Pouco ou nada sabemos no tocante ao externato de Tours, onde começou os estudos e que cedo abandonou para entrar, em 22 de julho de 1807, no então famoso colégio religioso Vendôme, regido pelos oratorianos. Como ainda hoje a maior parte das crianças francesas, Balzac ia estudar como interno. (note-se que isto foi escrito por Paulo Rónai por volta de 1950). O colégio era uma grande oficina, onde não havia férias; o aluno entrava analfabeto e só saia ao cabo de oito, nove ou dez anos, com a sua dose de cultura geral adaptada às necessidades da época, muitas humanidades e poucas ciências.
Segundo uma curiosa reminiscência do diretor do estabelecimento, durante os dois primeiros anos de estudos nada se podia tirar do pequeno Balzac. Nas aulas não dava outro sinal de vida a não ser uma repugnância visceral a toda espécie de trabalho obrigatório. Não tomava conhecimento das explicações, não decorava as lições, não fazia as composições. Para casos como este o colégio tinha um remédio: a palmatória - mas as mãos de Honoré estavam quase sempre cheias de frieiras e os mestres tiveram de recorrer à panaceia número 2, o cárcere, de que o menino por pouco não se tornou pensionista, chegando a passar lá uma semana inteira sem interrupções. Data também desse período sua primeira invenção, cuja lembrança há de perpetuar-se no colégio : uma pena de três bicos, particularmente apropriada a executar em curto tempo os castigos que lhe impunham.
Graças à condescendência de um censor, o insubmisso, que em classe conservava seu ar ausente e taciturno, conseguiu levar consigo para a prisão livros da biblioteca escolar. à medida que os lia, sentia desabrochar a inteligência, mas através de um caos, à custa de esforços dolorosos. Já não se contentava de ler; pôs-se a escrever, imitando condiscípulos das turmas superiores e obtendo em breve o apelido, meio irônico, meio admirativo, de poeta. Dos versos que então compôs, um único sobreviveu, tão ruim que não deixa dúvida acerca da qualidade dos outros. Um Tratado da Vontade, com que se ocupava durante as aulas, lhe foi confiscado por um dos professores, que não lho devolveu mais.
Por volta da Páscoa de 1813, o diretor mando vir com urgência a senhora Balzac. Em lugar do menino gordo, corado e forte que confiara ao colégio, ela encontrou um adolescente pálido, doentio, com ar de sonâmbulo, atingido por uma espécie de coma; uma indigestão cerebral, devia à leitura excessiva e desordenada.
Honoré teve de ser retirado sem demora do estabelecimento. Alguns meses ao ar livre e saudável da Touraine restauram-lhe as forças, e ei-lo com uma porção de conhecimentos confusos e as saudades do seu Tratado, cuja perda nunca cessaria de deplorar.
Não se deve formar suposições exageradas quanto ao valor deste trabalho precoce. Quinze anos ainda decorriam antes que Balzac escrevesse a primeira página que prestasse. Mas o título é significativo, pois indica no menino uma consciência surpreendente do que seria a sua maior força na vida. Com uma vontade de ferro realizaria de fato um milagre sem analogias na história das literaturas; de autor péssimo, abaixo do medíocre, que seria até quase aos trinta anos, de repente se tornaria um escritor grandioso, criador do gênero mais importante da literatura moderna, o romance de costumes.
Essa primeira fase de Balzac, em que o processo de transformação se operou tão penosamente em seu espírito, deixou vestígios duradouros, pois está descrita em Louiz Lambert, uma de suas obras-primas e talvez o seu livro mais autobiográfico, em que o escritor se desdobra em duas personagens: o próprio Luiz Lambert, esse gênio infeliz, e o amigo que lhe conta a história.
Já no momento de sua saída forçada do colégio, aparece Balzac com a crença inabalável em seu gênio, crença que nunca mais perderá e que, no entanto, pelo menos a essa altura, não tinha nenhum argumento, nenhuma prova em seu apoio. Como a concebeu? Como conseguiu mantê-la ante a indiferença e a troça dos colegas, da família? É uma pergunta a que nenhum de seus biógrafos sabe responder." P. R.
Essa primeira fase de Balzac, em que o processo de transformação se operou tão penosamente em seu espírito, deixou vestígios duradouros, pois está descrita em Louiz Lambert, uma de suas obras-primas e talvez o seu livro mais autobiográfico, em que o escritor se desdobra em duas personagens: o próprio Luiz Lambert, esse gênio infeliz, e o amigo que lhe conta a história.
Já no momento de sua saída forçada do colégio, aparece Balzac com a crença inabalável em seu gênio, crença que nunca mais perderá e que, no entanto, pelo menos a essa altura, não tinha nenhum argumento, nenhuma prova em seu apoio. Como a concebeu? Como conseguiu mantê-la ante a indiferença e a troça dos colegas, da família? É uma pergunta a que nenhum de seus biógrafos sabe responder." P. R.
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