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domingo, 29 de junho de 2014

BALZAC - UMA ÉPOCA PARA ROMANCES


BALZAC - UMA ÉPOCA PARA ROMANCES 
                     Independentemente da vontade do autor, cada obra literária reflete o momento histórico em que foi criada. Além desta relação involuntária com a sua época, a obra de Balzac está fortissimamente ligada a esta por ter-se proposto o romancista, primeiro entre todos, reproduzir a vida contemporânea com toda a sua riqueza de costumes e de tipos. 
                    A existência de Balzac coincide exatamente com o meio século que medra entre dois golpes de Estado: o de 1799, pelo qual Napoleão I liquidou a Revolução Francesa, e o de 1851, pelo qual Napoleão III extinguiu a Segunda República. Balzac  ainda pode conhecer testemunhas não somente da Revolução, como também do Antigo Regime, e quando morreu, em 1850, já se previa a próxima ressurreição de um poder forte sob a forma do Segundo Império. 
                    Criança, Balzac assistiu aos capítulos mais brilhantes da epopeia napoleônica; ouviu com entusiasmo os anúncios incessantes de novas vitórias, com consternação as notícias das primeiras derrotas. Testemunhou o exílio de Napoleão à ilha de Elba, a sua volta fulminante, o relâmpago efêmero do seu Segundo Reinado, seu desaparecimento na longínqua Santa Helena - e viveu bastante para assistir à sua grande vitória póstuma, a volta de suas cinzas em 1840, um espetáculo "maior do que os triunfos romanos". (Durante toda a sua vida, Balzac sonharia evocar, em vários romances, a epopeia napoleônica, sem ter tempo, porém, para escrever estas obras que deviam fazer parte das Cenas da Vida Militar. No entanto, a figura de napoleão, a quem o escritor tinha uma admiração extraordinária, projeta a sua sombra sobre muitos episódios da Comédia Humana e revive numa página famosa do Médico Rural, a História do Imperador, contada numa granja por um veterano".) Acompanhou as duas Restaurações borbônicas antes e depois dos Cem Dias, viu surgir e desaparecer o regime conservador de Luiz XVIII e o sistema francamente reacionário de Carlos X, este último varrido pela Revolução de Julho; presenciou todo o reinado liberal-burguês de Luiz Felipe, a Revolução de 1848 e a eleição do futuro Napoleão III para Presidente da república. 
                     Quantas reviravoltas dentro de uma existência de apenas cinquenta e um anos! O mundo antigo resolvia-se dificilmente a morrer... ou as convulsões já eram as do parto laborioso de um mundo novo. Apesar das teorias conservadores que professava e que examinaremos mais adiante, Balzac não se iludia quanto ao sentido verdadeiro dos acontecimento. A "liquidação" da Revolução operava-se apenas no domínio político, mas seus germes frutificaram em todos os setores da sociedade, onde outra transformação, menos veemente, mas não menos eficaz, fazia incessantes progressos - transformação esta da qual Balzac, quisesse ou não, era um dos operários mais fervorosos. Também acompanhava com o interesse mais apaixonado as fases desta revolução latente. Por trás dos debates das Câmaras das arruaças da capital, das polêmicas dos jornais, acontecimentos mais decisivos, embora menos espalhafatosos, verificavam-se nos bastidores da sociedade. Muitas instituições antigas foram restauradas, mas os costumes de outrora ruíram definitivamente. Piores do que as escaramuças reiniciadas periodicamente nas barricadas pelo povo parisiense, acendiam-se conflitos de interesse na Bolsa, nas casa de comércio, no seio das próprias famílias. Os progressos da técnica traziam uma série de inovações, antes de tudo as estradas de ferro, que, para olhos sagazes, anunciavam imensas modificações da vida coletiva e particular. Surgiam novos poderes; o capital, a imprensa, a publicidade. Patenteava-se a ascensão prodigiosa do dinheiro, que reivindicaria um papel cada vez maior em todos os domínios. Estavam, pois, aparecendo e desenvolvendo-se as forças que passariam a moldar todo o período da história européia até a primeira guerra mundial. Esboçavam-se, desde então, os tipos humanos que as novas possibilidades não deixariam de produzir. A Comédia Humana de Balzac contém uma imagem fiel e pormenorizada de toda essa fermentação, de seus resultados visíveis e de suas consequências conjeturáveis; embora concluída em 1850, é um espelho de todo o século XIX."  
P.R.  

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